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Primeiro repórter fotográfico de Feira de Santana, Antônio Magalhães relembra fatos marcantes e como inspirou as novas gerações

Segundo ele, foram tantas as histórias que lhe tiraram o fôlego, pois o verdadeiro profissional está sempre entusiasmado com o que está registrando.

Comemorado anualmente no dia 19 de agosto, o Dia Mundial da Fotografia foi criado em 1939, quando o governo francês anunciou ter adquirido uma invenção chamada Daguerreótipo, capaz de fixar uma imagem em uma placa de cobre. Pouco tempo depois, o equipamento foi substituído pelo rolo de filme, e desde então essa arte foi passando por mudanças e aprimoramentos.

Em Feira de Santana, quem também tem muitas histórias para contar é o fotógrafo e repórter fotográfico Antônio Ferreira Magalhães, que reside em Feira de Santana desde a década de 60 e completa este ano 52 anos de profissão. Em entrevista ao Acorda Cidade, ele relembrou muitas das suas histórias, fatos curiosos e os acontecimentos que mais marcaram a sua trajetória no ramo da fotografia tanto em Feira de Santana como em outras cidades do país.

“Eu comecei a fotografar no Rio de Janeiro, no fim da década de 50, quando fiz o meu primeiro curso de iniciação à fotografia, no Liceu de Artes e Ofício. Lá eu comecei como freelancer, depois vim para Feira de Santana. Minha trajetória com a fotografia é longa. Eu vim para Feira de Santana na década de 60, ainda no Regime Militar, quando a gente não tinha a liberdade de fotografar o que queria. Eu comecei em Feira a fotografar para o Diário de Notícias, logo depois passei para o Jornal A Tarde, a convite do Antônio José Laranjeiras, quando estive com o professor e repórter de textos Zadir Marques Porto. Daí comecei a exercer como profissional, através dos jornais”, relembrou.

Magalhães também trabalhou para o Jornal da Bahia e foi cofundador do extinto Jornal Feira Hoje, onde permaneceu durante muitos anos e se consolidou, sendo o primeiro repórter fotográfico de Feira de Santana.

“Feira a partir daí teve outros meios de comunicação. E nesse tempo todo, não só exerci a profissão como repórter fotográfico, exerci também a fotografia social nos eventos, que me levaram a conhecer a fundo nossa sociedade, fotografando e guardando os registros que fazia.”

Momentos marcantes

Ao longo dos seus 52 anos como fotógrafo, Antônio Ferreira Magalhães guarda na memória acontecimentos marcantes e que ficarão para sempre guardados em seu coração. Segundo ele, foram tantas as histórias que lhe tiraram o fôlego, pois o verdadeiro profissional está sempre entusiasmado com o que está registrando. Apesar disso, pôde evidenciar algumas.

“Os registros mais importantes que acho que tive nessa trajetória foram no início da década de 60, quando a Xuxa Meneghel veio a Feira de Santana(década de 80) fazer um trabalho para a boutique Macho e Fêmea, talvez o primeiro serviço que ela fez fora do Rio de Janeiro. Me senti muito honrado. Outro trabalho que me deixou muito entusiasmado na profissão foi quando o general Ernesto Geisel, presidente da República naquela época, veio a Feira para inaugurar a Fábrica de Pneus Tropical. E naquele momento eu fui o único fotógrafo contratado da cidade para esse trabalho. Meus documentos ficaram lá 45 dias esperando a resposta. E quando eu estava fotografando ele na praça da prefeitura, a professora Nena, diretora do Gastão, veio entregar um documento a ele e furou o protocolo, passando por debaixo da corda para entregar uma carta. Eu fiquei tão entusiasmado para não perder esse registro e me aproximei de 4 para 3 metros, quando senti uma mão pesada, que me agarrou pela gola do paletó, me jogou longe e me avisou que se eu fizesse da segunda vez ficaria preso, e continuei meu trabalho. A vinda do Papa me entusiasmou também, pois trabalhei a três metros de distância dele no Campo Grande, em Salvador. Teve um momento que o Papa estava muito cansado e olhou para mim, e eu fiz sinal para ele que não iria fotografar, e ele sacudiu a cabeça. Quando ele foi embora, mandei para ele meia dúzia de fotografias e pensei que nem iriam chegar lá. Depois de um tempo recebi uma medalha, um bilhete me agradecendo e um terço. Além do Papa, houve muitos momentos de mexer com o coração da gente. A primeira e única vez que aconteceu o Miss Bahia em Feira de Santana foi em 75 e eu também fui o único fotágrafo credenciado para esse momento. E teve o Centenário da cidade, quando a Maçonaria desfilou pela primeira e última vez, no centro de uma cidade”, relembrou.

Para Antônio Magalhães, a fotografia é o maior instrumento de comunicação visual que nós temos. Ela tem essa importância de juntar raízes e contar histórias. “A fotografia que não tiver um pouco de história não vai constar no meu arquivo. Toda fotografia, principalmente no jornalismo, tem a obrigação de contar um pouco da sua história.”

Formação de novos fotógrafos

Além de desenvolver uma carreira brilhante no ramo da fotografia, Antônio Magalhães também participou da formação dos novos profissionais de Feira de Santana, que viam na fotografia uma oportunidade de crescer no mercado de trabalho.

“Teve a época da Associação dos Fotógrafos Profissionais de Feira de Santana, que hoje é um sindicato, e tive muito entusiasmo, porque foi daí em diante que eu passei a técnica para nossa classe em Feira de Santana. A gente ía todo ano em São Paulo, onde participei de 13 congressos, fora outros em Minas, Recife, Espírito Santo, muitas outras cidades, onde participei e levei colegas.”

Mesmo com a pandemia e medidas de restrição, Antônio Magalhães continuam atuando como fotógrafo em Feira de Santana e mantém a arte também como um hobby. Ele possui um acervo histórico com mais de 100 mil registros fotográficos, considerado como o segundo da Bahia, sendo o primeiro acervo em Salvador.

“Como repórter fotográfico tive que registrar o que passava pela frente da minha câmera. Teve momentos de fotografar coisas alegres, as festas, a vida dos políticos, mas também teve momentos que abalaram a gente. Como fotógrafo social, tive momentos importantes de pessoas que passavam pela minha lente, como políticos e jogadores. E como hobby até hoje minha paixão é fotografar acervo, a natureza, coisas do passado. Contei isso no livro que lancei em 2019.”

De pai para filho

O ofício e a paixão de Antônio Magalhães de enxergar o mundo por meio das lentes fotográficas e capturar momentos do cotidiano foram passados também para os filhos, Antônio Carlos Bastos de Magalhães, 57 anos e Jorge Magalhães, 55.

Esse amor pela fotografia fez com Antônio Carlos Bastos de Magalhães, hoje também professor universitário em faculdades de Feira de Santana, o famoso professor ACM, nasceu ainda na infância, quando ao chegar da escola, acompanhava o pai em seus trabalhos e participava de todo o processo de revelação das fotos.

“Primeiramente, nós, tanto eu quanto meu irmão, viemos de uma família de fotógrafos. Meu pai, o Magalhães velho, como é conhecido na cidade, passou essa profissão pra gente. Eu tenho 57 anos de idade e há 43 anos fotografo, então já tenho um tempo fazendo essa arte e propagando os acontecimentos da nossa cidade e região. A fotografia representa a minha vida. Tudo isso veio passado pra mim através do meu pai, não só observando o que ele fazia, mas também ele colocou a gente para trabalhar desde cedo, mas ninguém era forçado. Mas tínhamos que ajudá-lo nas nossas horas de folga”, contou.

Essa foi uma aliança muito importante entre Magalhães e os dois filhos, mas também teve grande importância para a cidade, a partir da elaboração cuidadosa de um grande arquivo fotográfico em relação a Feira de Santana.

“Eu tive algumas passagens muito interessantes quando trabalhei no jornal Feira Hoje, que me chamaram muito a atenção, como a abertura da barragem de Pedra do Cavalo, quando o político Antônio Carlos Magalhães estava observando, logo no começo da obra, e eu fiz uma foto dele. E o então editor do jornal, o finado Egberto Costa, pediu pra que eu fizesse um post e entregamos a ACM. Outra coisa interessante é que em Feira tinha uma lavanderia, que estava jogando água para fora e muitas pessoas estavam caindo. Em poucos minutos veio um rapaz de bicicleta e ele caiu, mas naquela época as câmeras não eram automáticas, e a gente não tinha um motor drive que fazia com que tirasse várias fotos, e eu tinha que fotografar puxando a alavanca da câmara, mas consegui fazer uma sequência de fotos, que foram no outro dia para a capa do jornal e deu uma repercussão grande na cidade. Eu também, quando novo, cobri uma visita do Papa, então tem passagens da nossa vida que a fotografia faz a gente relembrar. É a parada do momento, a história preservada da humanidade”, relatou.

Para Jorge Magalhães, que já atua como repórter fotográfico há 37 anos, as lembranças dele com o pai e o irmão mais velho o marcaram muito. Também em entrevista ao Acorda Cidade, ele pôde resgatar algumas dessas lembranças, que trouxeram grande impacto na sua formação.

“Nasci na fotografia. Desde pequeno, meu pai criou a mim e meu irmão nessa luta no dia a dia da fotografia, vendo o nascimento de uma fotografia da revelação de um filme preto e branco à revelação das fotos. Sempre trabalhando. A minha vida profissional se deu com mais ou menos 15 anos ou 16, quando meu pai nos levava para a gente fazer uns registros da fundação do Observatório Astronômico Antares. Nós, família Magalhães, lutamos muito, durante muito tempo junto com César Orico, para alavancar e ver nascer e crescer o observatório como está aí hoje. E nesse período, a gente ia muito lá e registrava os trabalhos no Observatório Antares e fizemos os primeiros registros fotográficos de alguns cometas.”

Ele recordou ainda os grandes eventos que ocorriam em Feira de Santana, como o Caju de Ouro, a Boate do Guaraná e as micaretas.

“Via meu pai sempre na luta, fazendo grandes eventos da cidade, no Feira Tênis Clube, no Clube de Campo Cajueiro, e a gente sempre acompanhando ele nesses registros. Ele fotografava os bailes do Caju de Ouro, o Baile do Guaraná, no Feira Tênis Clube, as micaretas, e depois a gente saia para fazer a entrega das fotografias e receber o dinheiro. Foram casamentos, batizados, formaturas. Com a experiência que meu pai tinha, meu pai foi procurado por Camilo Cola, um dos proprietários da Itacimirim, para fazer alguns fotos, junto com ACM, no Espírito Santo, pra compor a rede de pontos de apoio, uma média de 120 fotografias de pontos turísticos. E esse elo foi muito importante na vida da gente. Eu tenho o que tenho, do que meu pai passou pra mim, graças à fotografia. Tenho orgulho de dizer que sou filho de um fotógrafo, sou fotógrafo, meu irmão é fotógrafo, e graças à mágica da fotografia estamos aqui vivos, e mantendo viva a história, o crescimento e o desenvolvimento de Feira de Santana.”

Dos fatos que mais marcaram a sua trajetória já como profissional, Jorge Magalhães destacou parte dos registros feitos para o Jornal Feira Hoje, como o falecimento do prefeito Colbert Martins da Silva, cujo caixão foi carregado pelas mãos do povo, que formava ‘um mar de gente’.

“Por sinal, ganhei o Prêmio Juarez Bahia com essa fotografia. E depois veio o falecimento do prefeito José Falcão, que teve muita gente, mas muita gente mesmo, seguindo o sepultamento, e um marco, não muito bom, porque foi uma parte policial, mas foi o primeiro registro do sequestrador Leonardo Pareja, em Feira de Santana. Eu estava descendo para o Rio Jacuípe, com minhas colegas Lineia Fernandes, Anne Cerqueira e Rose Leal, e estávamos num veículo do jornal Feira Hoje, e iríamos fazer algumas matérias no Rio e voltar para passar no estádio Joia da Princesa. Mas quando eu passei pela frente do Samburá Hotel, vi o delegado Nilton Borba, já com um fuzil posicionado para uma pessoa, e ao lado dele o policial Rambo, com outra arma apontando. E daí começamos os primeiros registros do sequestro da garota Fernanda Viana, pelo Leonardo Pareja. Isso repercutiu muito, passamos no Fantástico à noite. Nesse tempo todo tive uma história maravilhosa no Jornal Feira Hoje, com o fechamento, fomos para o Diário da Feira, e passamos dois anos ao lado do colega Wilson Mário, depois levei um tempo muito grande no jornal Folha do Estado, do empresário Humberto Cedraz, que é ainda uma escola de jornalismo. Na sequência, fui para o jornal Tribuna Feirense, com o meu colega Valdomiro dos Santos Silva, que manteve o jornal com muita luta e muito sacrifício, e sempre gostou de ajudar as pessoas.”

E os Magalhães continuam fazendo história e contribuindo para a manutenção da cultura da nossa cidade. Eles também são fonte de inspiração para os jovens, que entram na universidade e desejam trilhar o caminho da fotografia, a exemplo do estudante de publicidade e propaganda Thiago Sacramento, de 21 anos.

Desde que iniciou os estudos, o jovem começou a fotografar, inspirado no professor ACM e outros nomes da cidade.

Comecei a fotografar em junho de 2019, quando já estava cursando. Fiz o meu primeiro ensaio de gestante e um ano depois fiz o aniversário dessa mesma criança, e isso me marcou bastante, de poder participar de um momento especial”, relatou.

Para Thiago Sacramento, a fotografia significa procurar pelas melhores perspectivas, mesmo sem uma câmera na mão. “É algo que eu levo para a vida, sempre tentar procurar os melhores ângulos. Eu gosto de fazer ensaios femininos e expor a beleza feminina. Algumas mulheres não se sentem tão bonitas e o olhar do fotógrafo acaba elevando a autoestima delas. A fotografia não é apenas apertar um botão. Envolve muita criatividade e cada profissional tem uma linguagem de expressão”, afirmou.

Motivado pelas aulas do professor ACM, o qual considera um ótimo fotógrafo, Thiago Sacramento destacou que busca cada dia mais conhecimentos e espera se diferenciar no mercado de trabalho dos demais concorrentes.

Para essa nova geração de fotógrafos, Antônio Ferreira Magalhães, deixa uma mensagem valiosa.

“Tivemos uma transformação muito grande na fotografia com a vinda do digital. Hoje a fotografia digital nos deu uma reviravolta, principalmente no jornalismo, onde se tem a facilidade de fazer uma foto e daqui a dois minutos estar em qualquer país do mundo e com o texto. Que a geração de hoje tenha a fotografia como o maior instrumento de visualização que possa existir. É outro mundo olhar as coisas através de uma lente fotográfica.”

Fonte: Ney Silva e da produtora Maylla Nunes do Acorda Cidade.

Fotos: Arquivos pessoais dos entrevistados

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